Hugo Norberto Krug
Considerações iniciais a respeito da indisciplina dos
alunos na Educação Física Escolar
Uma série de fatores podem dificultar a atividade pedagógica dos
professores nas escolas, em especial a indisciplina dos alunos, que, sem dúvida
alguma, pode tornar-se um sério obstáculo para o alcance dos objetivos
educacionais (Silva; Krug,
2002).
Segundo Aquino (1996) há muito tempo os
distúrbios disciplinares deixaram de ser um evento esporádico e particular no
cotidiano das escolas brasileiras para se tornarem, talvez, um dos maiores
obstáculos pedagógicos dos dias atuais. Também, está claro que, a maioria dos
educadores não sabe como interpretar e administrar o ato indisciplinado.
Desta forma, não apenas os professores
experimentados, mas, também, os futuros professores em situação de estágio
curricular, tornaram-se reféns do emaranhado de situações que a indisciplina
escolar comporta, ocasionando assim, dificuldades na prática pedagógica dos
mesmos (Silva; Krug,
2002).
Como na literatura especializada em Educação Física
escolar são raras as publicações envolvendo a indisciplina dos alunos, este
ensaio teve como objetivo contribuir para o aprofundamento do debate acerca da
indisciplina dos alunos na Educação Física Escolar, pois segundo Jesus (2001) é
importante a análise da indisciplina na atualidade, já que esta se constitui no
principal fator de stress dos professores.
O conceito de indisciplina
Segundo Rego (1996) existe uma falta de
clareza e consenso a respeito do significado do termo indisciplina, sendo que a
maior parte das análises parece expressar as marcas de um discurso fortemente
impregnado pelos dogmas e mitos do senso comum. Destaca que os conceitos de
indisciplina estão longe de serem consensuais, não só pela complexidade, mas
também pela multiplicidade de interpretações que o tema encerra.
A autora citada ainda ressalta que o
conceito de indisciplina, como toda criação cultural, não é estático, uniforme,
nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de valores e
expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e
numa mesma sociedade. Também no plano individual a palavra indisciplina pode
ter diferentes sentidos que dependerão das vivências de cada sujeito e do
contexto em que forem aplicadas.
Entretanto, segundo o Novo Dicionário da
Língua Portuguesa (Ferreira,
1986, p.595) indisciplina é todo "procedimento, ato ou dito contrário à
disciplina que leva à desordem, à desobediência, à rebelião". Sendo assim,
indisciplinado é aquele que se insurge contra a disciplina.
Taille (1996) destaca que se definirmos
disciplina como comportamentos regidos por um conjunto de normas, a
indisciplina poderá se traduzir de duas formas: a) a revolta contra
estas normas - traduz-se por uma forma de desobediência insolente; e, b)
o desconhecimento delas - traduz-se pelo caos dos comportamentos, pela
desorganização das relações.
As causas da indisciplina dos alunos
De acordo com Rego (1996), no cotidiano
escolar, os educadores, aturdidos e perplexos com o fenômeno da indisciplina,
tentam buscar, ainda de que de modo impreciso e pouco aprofundado, explicações
para a existência de tal manifestação.
A autora destaca que muito
freqüentemente vêem a indisciplina como um sinal dos tempos modernos,
revelando uma certa saudade das práticas escolares e sociais de outrora, que
não davam margem à desobediência e inquietação por parte das crianças e
adolescentes.
É comum também verem a indisciplina na
aula como reflexo da pobreza e da violência presente de um modo geral na
sociedade e fomentada, de modo particular, nos meios de comunicação,
especialmente a TV.
Muitos atribuem a culpa pelo
comportamento indisciplinado do aluno à Educação recebida na família,
assim como à dissolução do modelo nuclear familiar.
Outros parecem compreender que a
manifestação de maior ou menor indisciplina no cotidiano escolar está
relacionada aos traços de personalidade de cada aluno.
Uma outra maneira de justificar as
causas da indisciplina na escola, bastante presente no ideário educacional, se
refere à tentativa de associar o comportamento indisciplinado a alguns traços
inerentes à infância e à adolescência.
Já os profissionais da Educação
(diretores, coordenadores, técnicos, etc.) e muitos pais, quando provocados a
analisar as possíveis causas da incidência da indisciplina nas escolas, muitas
vezes, acabam por atribuir a responsabilidade ao professor, pela sua
falta de autoridade, de seu poder de controle e aplicação de sanções.
Do ponto de vista do aluno
indisciplinado, os motivos alegados costumam ser um tanto diferentes. Com
bastante freqüência, dirigem suas críticas ao sistema escolar. Reclamam não
somente do autoritarismo ainda tão presente nas relações escolares, mas também
da qualidade das aulas, da maneira que os horários e os espaços são
organizados, do pouco tempo de recreio, da quantidade de matérias
incompreensíveis, pouco significativas e desinteressantes, da aspereza de
determinado professor, do espontaneismo de outro, da falta de clareza dos
educadores, das aulas monótonas, da obrigação de permanecerem horas sentados,
da escassez de materiais e propostas desafiadoras, da ausência de regras
claras, etc.
Na análise deste quadro a autora citada
destaca o seguinte: a) primeiramente, é possível observar que o lugar ocupado por
cada um dos elementos no sistema educacional parece alterar significativamente
o seu modo de explicar as razões da incidência da indisciplina na escola.
Entretanto, o predomina, um olhar parcial e pouco aprofundado sobre o problema,
pois parecem fundamentais em explicações do senso comum ou pseudocientíficas; e,
b)
em segundo lugar, é possível observar que na busca dos determinantes da
indisciplina, a influência de fatores extra-escolares no comportamento dos alunos,
na visão de muitos educadores, parece ocupar o primeiro plano. Deste modo, a
solução para o problema da indisciplina não estaria ao alcance dos educadores.
A autora citada diz que estas posições
precisam ser revistas, já que as explicações, mitos e crenças sobre o fenômeno
da indisciplina na aula difundidos no meio educacional, além de acarretarem
preocupantes implicações à prática pedagógica, se embasam em pressupostos
preconceituosos, superados e equivocados sobre as bases psicológicas,
biológicas e culturais envolvidas na formação de cada pessoa.
As conseqüências da indisciplina dos alunos
Taille (1996) diz que a indisciplina dos
alunos tem diversas conseqüências para o processo ensino-aprendizado, e,
destaca que a disciplina é bom porque, sem ela, há poucas chances de se levar a
bom termo um processo de ensino-aprendizagem.
Silva e Krug (2002) no estudo intitulado
"A indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física nas séries
iniciais do ensino fundamental: o caso dos futuros professores de Educação
Física da UFSM em situação de estágio curricular" os acadêmicos apontaram
as seguintes conseqüências da indisciplina dos alunos: a) atrapalha o andamento
das atividades; b) ocorrência de animosidade entre professor e alunos; c)
dificuldade de aprendizagem pelos alunos; d) gera mais agressões entre os
alunos; e) término antecipado da aula; f) perda do controle da
aula pelo professor; e, g) perda de tempo da aula.
Como os professores tratam os alunos
indisciplinados?
De acordo com Valle e Zamberlan (1996) a
indisciplina dos alunos que acontecem no cotidiano escolar constitui-se em
situações constantes que os professores não sabem lidar.
Segundo Jesus (2001), especificamente,
no que diz respeito à gestão da indisciplina dos alunos, são necessárias medidas
ao nível sócio-político, ao nível da escola e ao nível da relação pedagógica do
professor. Entre as medidas do professor estão: a) manter-se sempre
calmo, sereno e seguro; b) ser flexível, desde que coerente,
na sua forma de atuação; c) evitar confrontos desnecessários,
sendo mais tolerante; d) não se distanciar dos alunos
indisciplinados; e) tendo em conta que os comportamentos de disciplina também
podem ser aprendidos, enfatizar os aspectos positivos do comportamento e da
aprendizagem dos alunos; d) fazer com que os alunos voltem a
acreditar que podem vir a alcançar resultados escolares positivos; e)
delegar funções de "assistente" ao líder informal da turma,
responsabilizando-o inclusivamente pela gestão do comportamento dos colegas; f)
separar os alunos que perturbam; g) repreender os alunos em
particular e apenas quando tal atitude é efetivamente necessária; h)
identificar os casos de alunos com problemas familiares e tentar contribuir
para a resolução de tais problemas; e, i) estabelecer contratos (gestão de
contingências) que identifiquem os comportamentos a corrigir pelos alunos, no
sentido de os responsabilizar e de os levar a desenvolver uma "disciplina
Interior" ou "autodisciplina".
O autor destaca ainda que, cada
professor deve procurar aprender a partir da própria experiência, sendo
coerente consigo mesmo. Fundamentalmente, se o professor quer ser respeitado
pelos seus alunos, tem que ele próprio respeitar-se e apreciar as suas
qualidades pessoais e profissionais. Assim, uma das regras que o professor deve
ter em conta é tentar analisar o seu próprio comportamento faze a situações de
indisciplina dos alunos e procurar aprender com essa experiências, no sentido
de um maior auto-conhecimento e aperfeiçoamento progressivo.
Considerações finais a respeito da indisciplina dos alunos na Educação
Física Escolar
Destacamos que abordar o tema indisciplina nas aulas de Educação
Física é muito delicado e até perigoso, por três motivos:
1º) Pode-se facilmente cair no moralismo ingênuo e, sob a
aparência de descrever o real, tratar de normatizá-la;
2º) Pode-se facilmente cair no reducionismo, que explica um
fato por uma única dimensão (psicológico, sociológico); e,
3º) Pode-se facilmente cair na complexidade e, até,
ambigüidade do tema, afinal, de fato, o que é disciplina? O que é indisciplina?
Entretanto, ao assumirmos os riscos da
abordagem desta temática, constatamos, em alguns estudos (Pinto Filho,
1999; Ribas,
1995; Silva; KruG,
2002) que no meio educacional, particularmente na disciplina de Educação Física,
a maioria dos professores compreendem a indisciplina, manifestada por um
indivíduo ou um grupo, como um comportamento inadequado, um sinal de rebeldia,
intransigência, desacato, traduzida na falta de educação ou de respeito pela
autoridade do professor, na bagunça ou agitação motora. A indisciplina é vista
como uma espécie de incapacidade do aluno (ou de um grupo) em se ajustar às
normas e padrões de comportamentos esperados.
Nesta perspectiva, qualquer manifestação
de inquietação, questionamento, discordância, conversa ou desatenção por parte
dos alunos é entendida pelos professores, como indisciplina, já que buscam
obter a tranqüilidade, o silêncio, a docilidade, a passividade das crianças de
tal forma que não haja nada nelas, nem fora delas que as distraiam dos
exercícios passados, nem fazer sobra às suas palavras.
Como recomendação para combater este
entendimento de indisciplina dos professores, citamos Araújo (1996) que diz
que, se um dos objetivos da Educação é o de auxiliar o sujeito a construir uma
autonomia do pensamento que obrigue sua consciência a respeitar às regras do
grupo depois de raciocinar com base em princípios de reciprocidade se aquela
regra é justa ou não, isto deverá ser alcançado por meio de relações que não
envolvam coação e o respeito unilateral; caso contrário, poderá se obter um
comportamento desejado pelo aluno, mas ao preço de reforçar a heteronomia e não
um juízo autônomo.
Portanto, somente uma transformação no
tipo das relações estabelecidas dentro das escolas, familiares e da sociedade
poderá fazer com que o problema da indisciplina seja encarado sob uma
perspectiva diferente. Nesse sentido, deve-se objetivar que os princípios
subjacentes às regras a serem cumpridas pelo sujeito tenham como pressuposto os
ideais democráticos de justiça e igualdade, bem como a construção de relações
que auxiliem esse sujeito a obrigar sua consciência a agir com base no respeito
a esses princípios, e não por obediência.
Taille (1996) ressalta que um aluno pode ter um comportamento
disciplinado por dois motivos: a) pela simples boa Educação; e, b)
pelo medo do castigo. Entretanto, qual é o motivo desejável? Pense caro leitor
e responda para depois adotar a postura pedagógica mais adequada.
Referências
Aquino, J.R.G. Apresentação. In: Aquino, J.R.G. (Org.). Indisciplina
na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. p.7-8.
Ferreira, A.B.H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
Jesus, S.N. de. Como prevenir e resolver o stress dos professores e a
indisciplina dos alunos? Cadernos do CRIAP. Porto (Portugal): ASA
Editores, 2001.
Rego, T.C. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na
perspectiva vygotskiana. In: Aquino, J.R.G. (Org.). Indisciplina
na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. p.83-101.
Pinto
Filho, F.P. A agressividade nas aulas de
Educação Física, 1999, Brasília. Monografia (Especialização em Educação Física
Escolar ) - Faculdade de Educação Física / Universidade de
Brasília, Brasília, 1999.
Ribas, J.F.M. Situações de agressividade em competições de handebol,
1995, Campinas. Dissertação (Mestrado em Educação Física ) -
Faculdade de Educação Física / Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.
Silva, M.S. da; Krug,
H.N. A indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física nas séries iniciais
do ensino fundamental: o caso dos futuros professores de Educação Física da
UFSM em situação de estágio curricular. In: Congresso
Mercosul de Cultura Corporal e Qualidade de Vida,
II, Ijuí. Anais, Ijuí, 2002. p.57.
Taille, Y. de L. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: Aquino,
J.R.G. (Org.). Indisciplina na escola:
alternativas teóricas e práticas.
São Paulo: Summus, 1996. p.9-23.
Valle, M.C.C. do; Zamberlan, M.A.T. Padrões de comportamentos disciplinares do aluno:
dificuldades associadas aos processos interacionais no cotidiano escolar. In: Reunião Anual ANPEd,
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